A tal da harmonização.

08/05/2016

Outro dia, estava eu assistindo TV (sim, ainda sou daqueles que assiste TV. E TV aberta!), quando me deparo com um comercial de suco em pó, no qual uma jovem mãe explicava a seu filho o conceito de “harmonização”.

Curioso como um termo até pouco tempo restrito a connaisseurs vem se popularizando no nosso país. É, como dizem: vivemos o tempo da gourmetização de tudo!

Com isso, e com a ajuda de uma boa taça de vinho, me veio a questão se não deveria usar esse espaço para falar um pouco sobre esse conceito que já está tomando conta do dia a dia das pessoas. Mesmo daquelas que fazem suas refeições bebendo suco em pó!

Então, vamos a tal da harmonização!

Antes de mais nada, vamos ao dicionário: lá, fica claro que harmonizar é estar ou manter em paz, em perfeita combinação, duas ou mais coisas distintas.

Já à mesa, prefiro dizer que “Harmonizar vinhos é combiná-los com alimentos de forma que, em seu consumo simultâneo, as características de ambos se mantenham perceptíveis – e valorizadas – às papilas gustativas.”

Pode parecer um pouco professoral, mas é simples de entender: quando você junta um vinho com um prato, um não deve competir com o outro. O sabor de um não deve fazer o do outro desaparecer. Devem formar uma parceria equilibrada para nos trazer o máximo de sensações prazerosas, combinando sabores amargos, doces, salgados, ácidos e umami (esse último, o mais recente tipo de sabor a ser descoberto, advindo da culinária japonesa).

Mas como saber qual combinação vai de fato harmonizar, antes de testá-la na prática, ali na mesa, com o prato na frente e a taça na mão?

Pra não complicar de mais, vamos considerar que existam apenas 3 tipos de harmonização.

A primeira e mais certeira para quem está começando, é a “harmonização histórico-geográfica”. Ou seja, simplesmente copiar o que outros já vem fazendo há séculos e tem dado muito certo. Afinal, nada pode combinar melhor com um prato de uma região, do que o vinho produzido na mesma região, concorda? Por isso é que carne de caça harmoniza perfeitamente com os tintos de Bordeaux. Por isso é que macarrão com muito molho de tomate casa tão bem com os Chianti. Por isso é que ostras frescas ficam perfeitas com os brancos de Chablis. E também por isso salsichões cozidos pedem brancos alemães. Simples. Mas se você não quiser se tornar um especialista em história da gastronomia mundial, vai no básico: comida italiana com vinho italiano, comida portuguesa com vinho português e daí por diante.

A segunda forma de harmonizar pratos e vinhos também não é muito complexa. É a chamada “harmonização por semelhança”. A regrinha é simples, quase pedagógica: comida leve, vinho leve; comida gordurosa, vinho encorpado; prato doce, vinho doce. A dificuldade é que você precisará conhecer um pouco mais sobre as características dos vinhos que levará à mesa. Você precisará conhecer qual tipo de uva produz normalmente vinhos mais suaves (Gamay, Pinot Noir, etc.), os de médio corpo (Camenère, Carignan, Merlot, etc.) e os mais encorpadões (Cabernet Sauvignon, Syrah, Tannat, etc.). Isso só pra falar dos tintos! Também é importante conhecer o que se pode esperar de doçura de cada tipo de vinho: dos brancos secos aos mais adocicados Rieslings alemães; dos espumantes Extra-Brutt aos dulcíssimos moscateis. Quanto mais repertório sobre o assunto, quanto mais horas de taça, maiores serão chances de conseguir uma boa “harmonização por semelhança”.

Um pouco mais sofisticada é o terceiro tipo de harmonização: a “harmonização por oposição”, a combinação de sabores opostos, como por exemplo, potentes e gordurosos queijos de mofo azul (Gorgonzola ou Roquefort) com vinhos de sobremesa muito doces (Sauternes). Contrapor sabores é um tipo de harmonização que exige conhecimento mais profundo tanto dos vinhos quanto dos alimentos e, principalmente, uma boa dose de ousadia, digna dos mais badalados chefs de cuisine.

Por isso, acho que para nós, que estamos iniciando nesse universo maravilho do vinho, o mais recomendável mesmo é seguir as dicas práticas dos amigos. E eu tenho 6 pra vocês:

Combine sempre o vinho com o molho e não o tipo da carne: peitinho de frango com ervas pede um vinho branco frutado, enquanto um suculento Coq au vin exige um vinho de médio corpo.
Pratos gordurosos? Tanino neles! Para costela de cordeiro assada com batatas, um bom Tannat não tem erro!

Sal e acidez combinam muito bem: frutos do mar ficam ótimos na companhia de vinhos bancos leves, como o Chardonnay.

Muito condimento é prato cheio para os brancos aromáticos: comida tailandesa, vietnamita e outras delícias do oriente tendem a se darem muito bem com, por exemplo, vinhos da uva Gerwürztraminer.

Peixes carnudos pedem tintos frutados: apesar de serem peixes, bacalhau e salmão se dão melhor com alguns tintos de médio corpo, do que com vinhos brancos.

Tenha sempre em casa vinhos que sejam mais versáteis para combinar com a comida: brancos mais leves, menos aromáticos e levemente ácidos; tintos com menos tanino, mais acidez e menos corpo.

Mas acima de tudo, lembre-se que a parte mais importante da harmonização não é nem o vinho, nem a comida: é a sua boca.

E se a combinação de ambos estiver do seu agrado e der muito prazer, isso é o que vale!

Bons vinhos! E bom apetite!

P.S.: Escrevi esse texto às vésperas do Dia das Mães, talvez pensando no prato que ia rolar no domingo. Na minha taça, um tinto espanhol de uva Tempranillo, produzido na Cariñena, na região de Aragon. É um ótimo exemplo para a dica número 6: frutadinho, pouco tanino e uma acidez na medida, que enche a boca d’água atiçando o apetite. No Brasil, é importado pela Grand Cru, que fica aí pertinho em São Bernardo. Saúde!

Zé Luiz Tavares é redator e planejador publicitário e consultor de marketing. Criador e apresentador do podcast “Ouvindo Vinho”, co-criador da feira de vinhos Wine Weekend São Paulo e produtor de eventos enogastronômicos em resorts pelo Brasil. Já participou como jurado de vários concursos internacionais, é colaborador da revista Vinho Magazine e agora aqui do portal Viver em São Caetano.

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