Até a última gota.

07/06/2016

“Enquanto você não vê o fim dessa garrafa, você não sossega, né?”. Por inúmeras vezes, ouvi minha mulher me repreendendo por sorver ao cair da tarde, a última taça da garrafa de vinho aberta durante o almoço.

Está certo que meu consumo é muito acima da média per capita do país (apenas 1,8 litros/ano), ultrapassando com voltas de vantagem até o Vaticano, que é o líder mundial dos tomadores de vinho: 56 litros, em 2010 (Imagine agora, com um Papa Argentino!).

Mas existe uma forte razão pela qual não costumo deixar sobrar vinho na garrafa: o vinho é bebida vida. E como tal, se transforma em contato direto com o ar.

Pode reparar: o sabor e aroma do vinho de uma garrafa recém-aberta é diferente do mesmo vinho esquecido no fundo da taça ao longo do almoço. Imagine então, de um dia para o outro!

Isso se dá pela oxigenação intensa que o líquido recebe ao se retirar a rolha. Enquanto arrolhado, o vinho vai sendo oxigenado ao pouquinhos. É o que chamamos micro-oxigenação. O oxigênio vai passando pela rolha suavemente e vai “amadurecendo” o vinho, amaciando seus taninos, deixando a bebida “redonda”. Mas, a partir do momento que você enfia o saca-rolhas, o jogo está definido. É melhor beber logo de uma vez!

Há quem goste de guardar o vinho aberto na geladeira. Mesmo os tintos. Faz algum sentido. Afinal, o frio pode retardar o processo de oxigenação para que o vinho dure um pouco (atenção: eu falei um pouco) mais.

Outro macete legal para prolongar as características de sabor e aroma do vinho aberto são aquelas tampinhas a vácuo. Feitas de silicone, vedam perfeitamente a boca da garrafa e com uma bombinha de sucção, você pode retirar o ar que está em seu interior, minimizando o contado do oxigênio com o vinho que sobrou. Mas também, não vale passar de 2 ou 3 dias.

“Profissa” mesmo são as maquininhas Enomatic, que você pode encontrar em alguns hotéis e wine bars da Grande São Paulo. Injetando nitrogênio na garrafa, cada vez que você retira uma dose, elas permitem que uma garrafa de vinho dure até meses aberta. Você pode ir degustando aos poucos, uma tacinha por dia. Pode abrir várias garrafas simultaneamente e ir degustando o vinho que tiver vontade. Sonho em ter uma dessas em casa!

Mas enquanto essas maravilhosas maquininhas não se popularizam (como já aconteceu com as máquinas de espresso), uma grande dica são, as ainda raras no Brasil, embalagens Bag-in-Box.

Você já deve tê-las visto em algum supermercado por aí. São caixas de papelão (a tal Box) com uma alcinha, geralmente de plástico, com 3 ou 5 litros de vinho dentro. Na verdade, o vinho fica dentro de uma bolsa plástica aluminizada (a tal Bag), com uma torneirinha plástica na ponta. Para abrir a caixa, basta retirar o pedaço de papelão serrilhado na lateral da caixa, puxar a torneirinha pra fora e começar a servir.

O negócio funciona muito, mas muito bem! Você coloca a caixa em cima de um aparador na cozinha e sempre que der vontade, dá uma passadinha por lá, coloca a taça embaixo da torneirinha e retira sua merecida dose. Graças ao processo de pressão e ao sistema de vedação, sai o vinho e o ar não entra.

Segundo especialistas, nessas embalagens o vinho pode durar até 2 meses. Tempo mais do que suficiente para se beber os 3 ou 5 litros de seu conteúdo, considerando-se a conservadora recomendação médica de uma taça diária.

Mas o melhor mesmo é que, com essas caixinhas, ninguém fica controlando o quanto você bebeu. Parece que ela está sempre cheia, intacta.

Apesar de todos esses recurso, continuo sendo daqueles que prefere esgotar a garrafa num único dia. Talvez seja influência de meu sangue português, de onde vem uma famosa “modinha” folclórica que deixa explícita a paixão lusitana por vinhos:

“O primeiro (copo) bebe-se inteiro;
O segundo, até o fundo;
O terceiro, como o primeiro;
O quarto, como o segundo;
O quinto bebe-se todo;
O sexto, do mesmo modo;
O sétimo bebe-se cheio;
O oitavo, duas vezes meio…”

Saúde, ó pá!

P.S.: Dessa vez, meu companheiro durante a feitura desse texto foi o Emilia, da bodega mendocina Nieto Senetiner. Fiel a tradição argentina, esse produtor faz excelentes Malbec. O Emilia não é de seus melhores representantes, embora não seja o mais simples da bodega (se não me engano, o vinho de entrada da Nieto Senetiner é um tal de Benjamim). Corpo médio, bons aromas frutados e um toque leve, bem leve, de madeira. Excelente para acompanhar a pizza que provei aí em São Caetano, na Pizzaria Paulinio, filial da tradicional casa paulistana de 1945. Vale a pena conferir!

Zé Luiz Tavares é redator e planejador publicitário e consultor de marketing. Criador e apresentador do podcast “Ouvindo Vinho”, co-criador da feira de vinhos Wine Weekend São Paulo e produtor de eventos enogastronômicos em resorts pelo Brasil. Já participou como jurado de vários concursos internacionais, é colaborador da revista Vinho Magazine e agora aqui do portal Viver em São Caetano.

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